18 de setembro de 2010

O Outro Pai do Rádio Auriverde

Ademar da Silva Casé, conhecido como Ademar Casé, nasceu na cidade de Belo Jardim, Pernambuco, em 09 de Novembro de 1902, filho de João Francisco Casé e Rita Leopoldina Casé.

Cinco anos depois, questões políticas os obrigaram a fugir da cidade. João Francisco havia feito campanha pra um compadre que concorria à prefeitura. Os votos não eram secretos e quem venceu foi o outro candidato.

Naquela época era comum esse tipo de perseguição. Política era questão de vida ou morte. Um dia anterior à fuga, outro compadre dele havia sido assassinado. Através de um amigo da família, João Casé ficou sabendo que quatro homens estavam prontos para assassiná-lo, antes que a noite terminasse.
O tempo passou e João Francisco recebeu a notícia de que a situação em Belo Jardim estava novamente a seu favor. Seu compadre era finalmente o novo prefeito, o que foi determinante para o seu retorno a Pernambuco. No entanto, por pressão de parentes e até mesmo de sua esposa, a nova morada seria em outra cidade, Caruaru.

Um imenso desafio esperava Ademar e sua família naquele novo lugar. Uma epidemia mundial também atingiu a cidade. A gripe espanhola expandiu-se de uma maneira que em todas as residências alguém estava com o vírus. No lar de Ademar não foi diferente. Todos na casa dele ficaram doentes, exceto sua mãe. O pai, João Francisco estava muito mal, não resistiu e morreu.

Em busca de melhores condições de vida e trabalho, Ademar, com apenas 17 anos, foi para Recife. As economias acabaram e o emprego não surgia. Casé dormia nas praças e passava fome.

Através de um amigo de Caruaru, Ademar conseguiu um emprego no “Bilhares Recreio”, no mais famoso e aristocrático salão de bilhar da Capital. Seu trabalho era varrer, arrumar o salão e organizar as mesas de bilhar.

Foi no Recreio que Ademar conheceu o capitão Rogaciano de Mello. Aproveitando a oportunidade, Casé falou do seu interesse em ingressar na carreira militar. Não demorou muito e ele já estava alistado no 21º Batalhão de Caçadores. Dias depois, Casé chegava ao Rio de Janeiro com o grupamento militar.

Era 1922 e o Rio de Janeiro fervia. O país estava vivendo um intenso clima político com a sucessão presidencial. O presidente Epitácio Pessoa elegeu o seu sucessor Arthur Bernardes, o que provocou revoltas e protestos em vários estados. O agrupamento militar, com o qual Ademar saiu de Recife, foi direcionado para a Vila Militar, primeiro regimento de Infantaria, um dos focos de oposição ao então novo presidente Arthur Bernardes.

Involuntariamente, Ademar Casé entrou em combate. Na Vila Militar, diferentemente do que ocorreu no Forte, a revolta foi rapidamente abafada. Os envolvidos foram presos e reenviados para outros estados. Ademar foi preso e levado para São Paulo e, depois, transferido para a cidade de Rio Claro, ficando na Segunda Companhia de Metralhadoras Pesadas.

Dois meses depois, Casé foi posto em liberdade e embarcou em navio de volta a Pernambuco, mas o seu desejo de vencer na vida, de retornar a capital do país e “tentar a sorte na cidade grande” era cada vez maior. Fez alguns “bicos”, juntou algumas economias e embarcou novamente para o Rio de Janeiro.

Após uma longa procura de emprego, Casé conseguiu trabalho no Café Mourisco, um varejo de frutas. Lá, conheceu um argentino que o convidou para trabalhar numa Distribuidora de frutas argentinas no Brasil. Permaneceu nesse emprego até o fim da Câmara de Comércio Brasil-Argentina que foi decretado pelo governo.

Em seguida, Casé trabalhou como corretor de imóveis, vendendo terrenos de um loteamento paradisíaco apresentado em plantas belíssimas. O que Ademar e seus clientes não sabiam era que tudo não passava de uma farsa. Certo dia acompanhando um grupo de clientes numa visita ao loteamento, Casé e todos os clientes se decepcionaram. O lugar era terrível. Não tinha nada do que era apresentado no projeto e, para completar, um dos visitantes foi picado por uma cobra.

Novamente desempregado, Casé tornou-se agenciador de anúncios para a revista Don Quixote e outras publicações como o Careta, Revista da Semana, Fon-Fon, Para Todos, Cena Muda e O Malho. Como o dinheiro era pouco, decidiu que precisava de mais um emprego e começou a ser vendedor de receptores Phillips.

Com a lista telefônica na mão, Casé buscava nomes e endereços de possíveis clientes. A tática era visitar as casas durante os dias úteis. Ele esperava o dono da sair para trabalhar e só então tocava a campanhia.

O segredo consistia em pedir para falar com o proprietário da casa chamando-o pelo nome como se realmente o conhecesse. Em seguida, falava para a esposa que tinha informações que o marido estava interessado em adquirir um rádio. E como a esposa nunca estava sabendo do assunto, e seria impossível saber, ele deixava o aparelho ligado e sintonizado na PRAA Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, a melhor da época.

Quando voltava, três dias depois, a família já estava encantada pela novidade. Muitas vezes, ainda contra a vontade, o dono terminava comprando o aparelho. As vendas eram impressionantes e o diretor comercial da Philips do Brasil quis conhecer pessoalmente esse vendedor que chegava a levar 30 aparelhos no carro, vendia todos e voltava com um pedido de mais 27.

Aproveitando os contatos e a sua fama como grande profissional dentro da Phillips, Ademar sugeriu a Vitoriano Borges, um dos diretores, o aluguel de um horário. Explicou que essa nova experiência seria ainda melhor e mais dinâmico do que o “Esplêndido Programa,” programa de maior sucesso na época transmitido pela Rádio Mayrink Veiga.

Domingo 14 de fevereiro de 1932, oito horas da noite, nasceu o programa do Casé que foi batizado em pleno ar. Ademar não havia pensado em um nome para o programa e coube ao Diretor da Rádio Phillips Dr. Augusto Vitoriano Borges improvisar: "A rádio Phillips do Brasil, PRAX, vai começar a irradiar o Programa Casé".

Foi com essa frase que o diretor da Rádio Phillips, Dr. Augusto Vitoriano Borges, batizou o programa que Ademar estreava e que até então não tinha nome, detalhe que foi corrigido no ar com o improvisado “Programa Cas锝. Nascia, então, o programa que mudaria para sempre a história do rádio brasileiro.

Era o primeiro domingo após o carnaval, dia 14 de fevereiro de 1932, oito horas da noite. Casé havia alugado o horário das oito até meia noite, por 60 mil reis por programa.

Para conseguir realizar um programa dinâmico, inovador e principalmente com audiência, Casé precisava de alguém que conhecesse os famosos artistas da época. O contratado foi Sílvio Salema que, além de ser um conhecido cantor da época, era parente de Graziela, esposa de Ademar.

O primeiro programa já foi realizado com grandes nomes, entre eles, Sílvio Salema, Nonô, Luís Barbosa, Mário de Azevedo, João Petra de Barros. A Orquestra de Cordas, com a regência do maestro Romeu Ghipsmann e outros conjuntos embalaram a estréia de Casé, que foi considerada um sucesso.

No início, o programa era dividido em dois horários. O primeiro destinava-se a música popular e o outro a música erudita. Com apenas um programa algo ficou evidente, a música popular era muito mais ouvida. Os telefones não paravam de tocar durante as apresentações dos grandes nomes da época. Casé precisava de audiência e se viu obrigado a retirar a parte erudita, dedicando-se apenas a música popular.

Antônio Nássara e Cristóvão Alencar passaram a fazer parte da equipe de Casé. Os programas foram ficando cada vez melhores, nos moldes da BBC de Londres e da norte-americana NBC.

Ademar Introduziu um dinamismo jamais visto nos programas de rádio no Brasil. Era o fim do amadorismo e o início de programas bem produzidos.

Era costume, no Brasil, abandonar o ouvinte, enquanto se afinava um instrumento ou se resolvia algo. O microfone era sempre desligado nesses intervalos. Casé era um assíduo ouvinte das rádios americanas nas quais, independente do que acontecesse, a música não parava, o ouvinte deixava-se envolver por um ritmo sincronizado que parecia não ter fim. Desse modo, Casé introduziu o BG, (Background), uma música de fundo durante os intervalos entre as apresentações do Programa, recurso absolutamente imprescindível nos dias atuais.

O Programa Casé, com pouco tempo de existência, era o mais ouvido do Rio de Janeiro. Era no microfone de Casé que passavam os maiores artistas da época. Cantar no Casé era motivo de orgulho para todos, principalmente para aqueles que estavam iniciando suas carreiras.

Foi Ademar o primeiro profissional de rádio a valorizar os artistas, o respeito não se dava apenas na sua forma de saber conduzir e reunir suas estrelas, mas, sobretudo, com relação aos bons cachês que eram pagos a todos que passassem pelo Programa, o que resultava em audiência e conseqüentemente em anunciantes.

Cantar no Casé era ser exclusivo do Programa, o que consistia em ter o compromisso de passar domingos inteiros no estúdio, esperando a hora de sua apresentação. Era necessário que todos permanecessem na emissora, afinal, a qualquer momento, poderiam ser chamados ao microfone. Microfone que, por sinal, era um terror para Ademar que o admirava a distância. Casé nunca gostou de falar em microfones.

Era o começo da popularização do rádio que, durante muito tempo, serviu como símbolo de status, tocando apenas óperas e músicas clássicas. A população se identificava com os astros e com as populares canções que eram tocadas no Programa do Casé. O teatro e o humor foram também dois grandes trunfos nas programações de Ademar.

Entre as dezenas de estrelas que participavam do Casé, estavam Francisco Alves, Noel Rosa, Aurora e Carmen Miranda, Orlando Silva, Zezé Fonseca, Sílvio Caldas, Marília Batista, Pixinguinha, entre outros. Uma das artistas mais queridas de Ademar era A “Pequena Notável”, Carmen Miranda. Antes de entrar para o rádio, Casé já era fã da cantora que fazia parte do grupo de “estrelas” do seu programa.

Se até então Ademar havia revolucionado o rádio no país, foi na publicidade que Casé fez história, com uma equipe fantástica de redatores da qual participaram Cristovão Alencar, Paulo Roberto, Henrique Pongetti, Orestes Barbosa, Luiz Peixoto e Nássara. Foi Nássara que compôs para um cliente do Casé, o jingle da Padaria Bragança, primeiro da publicidade brasileira.

Casé contava, ainda, com o trabalho excepcional de Almirante, dotado de uma polivalência pouco vista, ele era o "braço direito de Casé". Dono de um grande espirito empresarial, cuidava do setor financeiro, era speaker e também era um grande humorista e contava piadas no programa.

O programa Casé foi a verdadeira escola intinerante de rádio no país. Da rádio Phillips, o programa transferiu-se para a Sociedade do Rio de Janeiro. Em seguida, ingressou na Rádio Transmissora PRE-3 que foi vendida para o Grupo do jornal O Globo. Depois de uma breve passagem pela Rádio Cajuti, Casé foi para a Rádio Mayrink Veiga PR9-E, onde permaneceu durante sete anos. Da Mayrink passou-se para a Rádio Globo, chegando, finalmente, na PRG-3, Rádio Tupi do Rio de Janeiro.

Foi na Mayrink Veiga que o Programa Casé tornou-se ainda mais marcante com uma exploração ainda maior do humor e da teatralização com as radionovelas. Uma grande paixão de Ademar, que no inicio não obteve boas respostas do público, foi a música clássica, mas a insistência e a criatividade de Casé foram responsáveis pela popularização do clássico.

O programa “Teatro Imaginário” transmitia para os ouvintes óperas inteiras, dando a impressão de que era ao vivo, diretamente do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

O rádio vivia o seu apogeu, os cantores de rádio recebiam da imprensa e do público da época um tratamento de grandes estrelas. O programa do Casé era a melhor e a mais popular diversão radiofônica dessa época. Jingles, reclames, e anúncios fantásticos e criativos marcaram o Casé. Famosas radionovelas, excelentes humoristas e cantores eram os atrativos desse programa que atravessou quase duas décadas se superando.

Casé estava na Rádio Tupi quando a Televisão chegou ao país. Era 1951 quando o Programa Casé encerravva sua história, mas Casé já estava se preparando para outras inovações. Montou uma agência de propaganda e foi trabalhar na TV, onde produziu vários programas entre eles, Convite à Música, Show Cássio Muniz, Show Regina, Tele-Semana, Petit Ballet. Mas foi o Programa Noite de Gala que imprimiu o ritmo da televisão que temos hoje, a melhor produção de TV de Ademar que, novamente, tinha uma grande equipe ao seu lado, dentre os quais Carlos Thiré, Sérgio Provenzano, Sérgio Porto e ainda o seu filho Geraldo Casé.

Em 1960, após sofrer um enfarte, Casé abandonou os meios de comunicação, por recomendações médicas, o que não o impediu de abrir outra Agência de Publicidade, Agência Casé, que foi entregue, anos depois, ao seu filho Maurício Casé.

No dia 07 de abril de 1993, aos 90 anos de idade, a história do rádio e da TV, morreu Ademar Casé um dos seus mais importantes e inovadores personagens.

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