28 de julho de 2010

O que é bom, não tem tempo



Esta seção é inaugurada com um mixtape que mescla o extremamente novo ao clássico, ao raro e ao quase esquecido. Pela turma das novidades figuram a cantora paulista Céu, com o tema "Bubuia", faixa de seu segundo álbum, "Vagarosa" (2009); o jovem talento espanhol Pitingo, que mistura a tradição do flamenco a elementos do pop contemporâneo; e o tema "Faro de los Ahoados", com o multinstrumentista e cantor argentino Pedro Aznar, em sua leitura para o hit dos Paralamas "Lanterna dos Afogados", que faz parte de seu álbum "Aznar Canta Brasil". Pelo lado dos raros estão a versão em castellano de "Mamãe Passou Açucar em Mim", com o próprio Simonal; o tema "Llego Mijan", com Tito Puente (el rey de los timbales), que faz parte de seu primeiro álbum de 1959, "Dancemania"; "Tambor Cafuzo", parceria de Toquinho e Paulo César Pinheiro, do álbum "Mosaico" de 2005, onde os dois compositores apresentam canções inéditas compostas para a peça "outros quinhentos" de Millôr Fernandes. Entre os clássicos ouvem-se: o calipso "Matilda", com Harry Belafonte; a versão fanqueada do samba de mestre Ataulfo, "bonde de São Januário" com o nosso saudoso "Nêgo Dito" (Itamar Assunpção); os cubanos intergaláticos da "Estrellas de Areito", com "para Cuba yo traigo un son"; a regravação da tropicalista "cada macaco no seu galho", com Gal Costa; e a mais do que clássica "como vovó já dizia", afinal de contas não podemos ignorar o pedido mais frequente na noite brasileira: toca Raul! Para finalizar na categoria das quase esquecidas estão: "Carimbó", com Eliana Pittman; "O Cafona", com Marcos Vale; e a versão espanhola de "Love Me Do", com os pioneiros do pop espanhol, Los Mustang. Tudo isso selecionado e mixado por DJ Medella, um DJ cego que se diverte com o vai e vem das carrapetas e o barulhinho do teclado.

Para realizar o download, clique no link a seguir:
[MixTape nº1]

O que é Mixtape?

Mixtape é uma compilação de canções, normalmente com copyright e adquiridas de fontes alternativas, gravadas tradicionalmente em cassete. As canções podem encontrar-se de forma sequêncial ou agrupadas por características comuns como ano de publicação, gênero e outros aspectos mais subjetivos. Como consequência também tem surgido mixtapes de vídeos. As primeiras e mais comuns mixtapes eram bootlegs em formato stereo 8, se vendiam nos chamados mercado das pulgas e em postos de gasolina desde os finais dos anos 60 até o começo dos 80 com nomes como Super 73, Country Chart Toppers ou Top Pops 1977 . As compilações com o ano no título só podiam ser postas a venda antes do natal e no começo do ano, conseguindo assim bons resultados de venda. Com a chegada do som digital para os consumidores de todo o mundo, a criação e distribuição das mixtapes tem evoluído de formato, os CDs e MP3 tornaram-se o método de escolha contemporânea, mas o termo mixtape ainda é comumente utilizado, mesmo para mixagens, em diferentes suportes.

27 de julho de 2010

[Dicas do Melômano] Mosaico: Toquinho



O ano de 2000 oferecia a Toquinho a oportunidade de fazer música com um novo parceiro: Paulo César Pinheiro. Parceria que fôra ensaiada em várias situações, mas que só então frutificava em função de um texto de Millôr Fernandes para teatro baseado nos quinhentos anos do descobrimento do Brasil. Toquinho e Paulo César Pinheiro criaram oito canções para a trilha musical da peça "Outros Quinhentos", que teve vida curtíssima. Parece que o melhor da peça foi mesmo a trilha musical. Conhecedor profundo das histórias e das lendas que fazem do Brasil um país de lampejos de esperança e sonhos naufragados em sucessivas decepções políticas, Paulo César Pinheiro, alicerçado na persuasiva melodia de Toquinho, acabou caracterizando em suas letras o ilogismo fantástico que impera em nossa nação desde a chegada dos portugueses e seus contatos com os índios até os variados tipos de cortes que têm desgovernado esse país. Além das oito músicas que integraram a trilha da peça teatral, Toquinho e Paulo César Pinheiro criaram mais quatro canções que completam as doze componentes do álbum Mosaico, lançado em novembro de 2005.


Por Circuito Musical
(Distribuidora Independente)

24 de julho de 2010

[Dicas do Melômano] O trio: O Trio

Nos estertores dos anos 80, quando o "ploc rock" nacional dava seus últimos suspiros, três músicos da pesada formavam o trio "O Trio" - Paulo Sérgio Santos (clarineta), Maurício Carrilho (violão) e Pedro Amorim (bandolim) - indo totalmente contra a maré dos samplers e das mirabolantes performances eletrônicas que já anunciavam as tendências massacrantes e medíocres dos anos 90. Em 1993, "O Trio" grava em Paris o disco homônimo e papa dois prêmios sharp como melhor grupo instrumental e melhor disco instrumental. Vale a pena ouvir com calma as "jóias" contidas na bolachinha.



Por Mario Medella

23 de julho de 2010

Dois pra lá, dois pra cá

O programa "Cantos da Alma Latina" que foi ao ar no dia 4 de abril de 2010 dá uma rápida pincelada na história do bolero, tocando clássicos do gênero e principalmente mostrando que o brasileiro sabe compor e interpretar boleros como ninguém, não devendo nada a cubanos e mexicanos. Baixe e baile a vontade!

Para realizar o download, clique no link a seguir:
[Cantos da Alma Latina nº104]

La voz de América

O programa "Cantos da Alma Latina" que foi ao ar no dia 11 de outubro de 2009, trouxe justíssima homenagem a "La Negra", por ocasião de sua morte que ocorreu no dia 4/10. O programa traz além de canções, depoimentos da própria Mercedes Sosa e comentários sobre sua trajetória. Baixe e curta "La Voz de América". O CAL vai ao ar todos os domingos às 19:00 pela rádio Roquette Pinto FM(94.1).

Clique no link abaixo para realizar o download:
[Cantos da Alma Latina nº93]

22 de julho de 2010

[Estreia] Pelas trilhas do mundo

Só aqui você ouve o programa "Pelas Trilhas do Mundo", que dá uma geral em todos os sons do planeta, se é bom passa por aqui. Não importa a raça, credo, tribo, estilo, idioma, o que importa é o som. É como diz uma das vinhetas do programa - "música: uma terra sem fronteiras". Um detalhe importante do "PTDM", é que em todas as suas viagens a nossa "terra brasilis" estará sempre presente no roteiro sonoro, afinal de contas o Brasil tem a maior diversidade musical desse nosso pequenino globo azul chamado Terra. O programa de estreia, a bordo de seu tapete de sisal voador, vai ao Líbano, Cabo Verde, Mali, Espanha, Tibet, Uruguai, Portugal, Turquia, E.U.A. e Geórgia, sem esquecer de Bahia, Maranhão e Rio de Janeiro.

Faça o download no link abaixo e BOA VIAGEM!
[Pelas Trilhas no Mundo nº1]

20 de julho de 2010

Obras primas

Ícones de estágios diferentes da evolução da música negra norte-americana, Curtis Mayfield e Kurtis Blow têm muitos pontos em comum em suas trajetórias. Se não foram os precursores da temática social como discurso predominante em seus respectivos estilos, certamente foram pioneiros – Mayfield, em 1970, quando pouquiíssimos artistas, como Sam Cooke, o tinham feito; e Blow em 1980, quando nem sequer a trupe de Grandmaster Flash tinha se arriscado em terreno tão fértil (a clássica "The Message" seria lançada apenas dois anos depois). Curtis Mayfield, compositor e cantor incomparável, se tornou grande demais para seu ex-grupo vocal, The Impressions, e partiu para sua fantástica carreira solo como o hoje celébre "Curtis". Kurtis Blow, o MC da fase disco do rap, surgiu como um artista enérgico, criativo e versátil. Suas rimas, sempre esgoeladas e sobrepostas a basa das discotecas e do break, misturavam temas sempre variados, como as festas, a diversão, as ruas, a pobreza e a dificuldade da vida no gueto em 1980.

1. Curtis Mayfield – "Curtis"
Mais conhecido pela espetacular trilha homônima para o filme “Superfly”, de 1972, o soulman Curtis Mayfield é uma das figuras mais inventivas da música negra norte-americana. Tão fundamental para o gênero soul à virada da década quanto seus contemporâneos Marvin Gaye e Stevie Wonder, Mayfield já acumulava as funções de compositor, arranjador e vocalista nos Impressions e continuou o processo de evolução criativa em sua primeira tacada-solo, "Curtis" (Curtom). Talvez o maior mérito do LP seja o fato de que ele praticamente introduziu o discurso de temática social na soul music. Ok: Sam Cooke já havia gravado petardos socialmente relevantes aqui e ali e Marvin Gaye já estava em estúdio com eu “What’s Going On”. Mas Curtis saiu na frente com todo um disco quase temático e arranjado de forma absolutamente autoral, associando o R&B elegante dos anos 60 ao soul / funk que seria a marca registrada da produção negra musicalmente relevante e moderna ao longo da década de 70. Faixas como "The Other Side of Town", "(Don't Worry) If There’s A Hell Below We’re All Gonna Go", "We The People Who Are Darker Than Blue" e "Move On Up" (sampleada pelo esperto Kanye West para uma faixa não tão esperta assim) tiveram impacto instantâneo na nova estética musical do gênero e são celebradas até hoje como pérolas do soul engajado. Mas nem tudo é protesto: a lindíssima "The Makings Of You", com arranjos açucarados e vocal suave, é capaz de desalojar roupas íntimas com a simplicidade da força do pensamento. Experimente!

2. Kurtis Blow – "Kurtis"
O disco “Kurtis” (Mercury), lançado pelo folclórico rapper Kurtis Blow em 1980, foi um marco à época de seu lançamento; além de ser uma raridade – pouquíssimos albums do gênero haviam sido lançados naquele primeiro boom do gênero, entre os anos de 1978 e 82, que priorizou singles e hits certeiros de medalhões como Sugarhill Gang e Grandmaster Flash & The Furious Five -, o LP representou um marco para o rap, já que KB parecia ser o primeiro MC a introduzir mensagens de temática social em seu discurso. Confira as celebradíssimas “Hard Times”, posteriormente regravada pelo duo Run-DMC, e “The Breaks” – que, apesar de ser um hino de festinhas aqui e acolá, retrata bastante o dia-a-dia dos guetos norte-americanos da virada da década em questão, influenciando diversos artistas do tal underground hip-hop da década seguinte – e note que o MC tinha a lingua tão afiada quanto seu estilo performático, que culminou até mesmo em uma das performances mais espetaculares da história do mítico Soul Train, marco da TV norte-americana apresentado pelo carismático Don Cornelius (confira sua versão ao vivo para "The Breaks" no youtube imediatamente!). Mas nem só destes dois clássicos vive a pepita, portanto preste muita atenção às ótimas "Rapping Blow (Part 2)" e "Way Out West", igualmente dançantes e inventivas. A referência das discotecas estadunidenses não era exclusividade na música de Blow, que foi muito influenciado por baladas soul para compor faixas como a nem-tão-boa-assim "All I Want In This World (Is To Find That Girl)", claramente calcada nos Chi-Lites, um dos grupos vocais preferidos de Blow. De forma geral, o sucesso comercial de “Kurtis” tem importância histórica evidente no cenário do rap, viabilizando contratos de long plays para gente como Run-DMC, Whodini e Fat Boys, a chamada segunda geração do gênero. O resto é história!


Por Pedro Pinhel
(coluna publicada originalmente na revista +Soma)

Ludov e Gentileza: do chato ao chique

Se todas as bandas de pop-rock nacional, chatas e sem conteúdo, explorando clichês harmônicos e melódicos em arranjos insossos e sem nenhuma criatividade, fossem como os paulistas da "Ludov" e os paranaenses da "Gentileza", o pop rock tupiniquim certamente ocuparia um lugar de destaque no mítico cénario que envolve as boas bandas internacionais do gênero. As referidas bandas não fazem "água com açucar" e nem vão ao outro extremo, o "prolixismo cabeça", eles tem a medida e a temperatura certas do som e dos versos de suas boas letras, misturando estilos e ritmos, não se prendendo ao velho "chacundunga" do rock brazuca. E tudo isso sem prejudicar em nada a "cara" - a identidade das bandas - muito pelo contrário. Os caras são músicos à vera, não tem o perfil daqueles que aprendem meia dúzia de acordes com algum primo alucinado e saem por aí gravando discos e virando "pop stars". Pra quem gosta do gênero, vale a pena dar uma conferida com atenção e despido de "pré-conceitos".





Por Mario Medella

Dicas preciosas para ouvidos iniciados

Toda vez que vocês avistarem no menu do blog o título "Dicas do Melômano", podem exclamar: disco a vista! ou melhor "a ouvido". A modesta coluna trará dicas de cds de forma atemporal e imparcial, ou seja, não se fixando em lançamentos e muito menos em modismos, sem observar época, estilo, gênero, segmento, ou qualquer coisa que sectarize a música, o único critério será a beleza do conjunto (arranjo, conteúdo, composição, interpretação e execução).

E não pensem que a coisa girará em torno do meu gosto pessoal, vários dos discos que passarão pela "Dicas do Melômano" nem sequer figuram nas estantes do meu cafofo, e olha que a coleção náo é pequena. Isto porque, sendo músico, e um ser pensante e "sentinte", tenho que admitir o valor artístico e estético, quando realmente existem, mesmo daquelas obras que pouco me agradam.


por Mario Medella

18 de julho de 2010

[Dicas do Melômano] Los Heroes - Estrellas de Areito

No início de um novo milênio, grande parte das orquestras de son, salsa e chá-chá-chá cubanas mantêm uma sonoridade agarrada ao passado, devido (em parte) à exemplar longevidade dos seus intérpretes. Mas há vinte anos atrás um grupo de cerca de quarenta virtuosos instrumentistas e cantores fez aquilo que poderá ser hoje a música cubana de amanhã. No fim dos anos 70, seguindo o exemplo dos nova iorquinos Fania All Stars - parada de estrelas não cubanas que se notabilizaram pelas réplicas de son que faziam - Juan Pablo Torres ergue as Estrellas de Areito. Um autêntico laboratório de descargas (leia-se jam sessions) que combinava três gerações de músicos de diferentes áreas: das charangas às latin jazz bands. E se a ideia era a de engendrar uma plataforma para dar largas à criatividade e ao virtuosismo, isso foi conseguido.

Vinte anos depois, a World Circuit seduzida pelo rotundo êxito de "Buena Vista Social Club" apresenta-nos "Los Heroes", um duplo álbum onde habita um espírito de improviso notável. Se os Estrellas de Areito não atingiram o êxito que se pensava, conseguiram dar novas coordenadas e liberdade para "desbloquear" a interpretação quadrada daquilo que se dançava nas salas de Havana.

Por Luís Rei em maio de 2004 Gravado no Egrem Studios, Havana, Cuba, em 1979, o álbum duplo "Los Heroes", não pode ser peça ausente na estante de qualquer melômano são. E só pra dar um gostinho aí vai a formação estelar do Estrellas de Areito: Tito Gomez, Rafael Bacallao, Teresa Garcia Caturla, Miguelito Cuni, Carlos Embale, Pio Leyva, Pepe Olmos, Magaly Tars (vozes); Nino Rivera (três cubano); Israel Perez Cuatro (); Angel Babazán, Miguel Barbón, Pedro Depestre, Pedro Hernández, Enrique Jorrin, Rafael Lay, Felix Reina, Elio Valdés (violinos), Richard Egues, Melquiades Fundora (flautas), Paquito D'Rivera (saxofone alto); Felix Chappotin, Adalberto Lara, Mirabal El Manuel "Guajiro", Arturo Sandoval, Jorge Varona (trompetes); Aguaje "de Jesus" Ramos, Juan Pablo Torres (trombones), Ruben González, Jesus Rubalcaba (piano); Fabian Garcia (bass); Tata Guines, Guillermo Garcia (congas); El Ricardo "Leon Nino" (bongôs); Gustavo Tamayo Guito (); Amadito Valdés, Filberto Sanchez (timbales).

Por Mario Medella

15 de julho de 2010

Tijuca faz história na MPB

Uma das principais características da Tijuca sempre foi a forte presença de um ambiente musical, que atravessa os tempos, numa trajetória que vai do célebre Eduardo das Neves a Tom Jobim (que, embora muitos não saibam e tenha seu nome ligado a Ipanema e ao Jardim Botânico, nasceu mesmo na Tijuca, vindo ao mundo pelas mãos do mesmo médico que fez o parto de Noel Rosa), passando por Braguinha, Almirante e Lamartine Babo, até chegar aos dias do fã-clube Sinatra-Farney (um dos embriões da Bossa Nova) e à turma do Bar do Divino (onde se reunia a Jovem Guarda de Roberto e Erasmo Carlos e Wanderléia, trazendo consigo o novo som de Tim Maia e Jorge Ben).

Sem esquecer também a turma do MAU (Movimento Artístico Universitário) que se reunia na Jaceguai e contava com Aldir Blanc, Ivan Lins, Gonzaguinha, César Costa Filho e correndo por fora o emblemático compositor e poeta Paulo Emílio. E não se pode deixar de falar que o bairro, honrosamente, possui três importantes escolas de samba: a Império da Tijuca, a Unidos da Tijuca e o Salgueiro, que tem, em sua ala de compositores, o famoso engraxate Bala, cujo ponto fica - onde mais? - na Praça Saens Peña.

Atualmente mais um tijucano está entrando para a seleta roda da mpb, é o cantor, compositor, músico, produtor e poeta: Mario André, que este mês lança seu segundo álbum, "Bossa Norte", que conta com 16 canções autorais, que vão da bossa, samba e choro até o tango, blues e new age, em arranjos de extremo bom gosto, tudo isso costurado por uma voz grave e aveludada, uma voz rara no atual panorama da música brasileira. Uma voz "camaleão", que se adapta com perfeição a qualquer gênero e estilo. Mario está tão confiante em seu taco que já anuncia para o próximo álbum, "Música Popular Essencialista", que será gravado no segundo semestre de 2011 e lançado no início de 2012, se o mundo não acabar, uma guinada de 103 graus no formato e no conteúdo de suas composições. A partir do dia 7 de julho, o disco estará disponúvel para download gratuito, autorizado pelo autor, no blog especializado em música da boa: paz-e-musica.blogspot.com

Por Aline Diniz
(Jornalista, escritora e produtora cultural)

Quanto mais tosco, mais cult

Não sei porque cargas d'água, muita coisa na área das artes, principalmente na música e no cinema, tornam-se "cult" mesmo apresentando uma baixíssima qualidade estética e sem acrescentar absolutamente nada ao panorama artístico e cultural de suas regiões e do país. Um país tão rico em sua diversidade cultural legítima, porém, tão pobre em conceitos.

Até onde sei, aquilo que é cult deve conter um teor cultural/artístico que realmente acrescente algo e seja importante para a preservação, manutenção e evolução da forma e do conteúdo da arte de um povo. Costuma-se incluir na abrangência do termo, tudo aquilo que tenta ser "diferente" e que na maioria das vezes é chamado de alternativo, experimental ou vanguarda, como também uma espécie de chorume cultural, que segundo alguns "experts" de plantão, a coisa é tão ruim que torna-se boa.

E para criticar essas aberrações que inconsequentemente chamam de "cult" não é necessário ser catedrático, jornalista, músico ou cineasta, basta ter ouvidos realmente "abertos", algum senso estético e ser um amante da beleza. E sem essa que a beleza está nos ouvidos de quem ouve e nos olhos de quem vê.

Ser cult é agregar valor cultural, valor histórico e valor estético, não importando se é simples, popular, elaborado, complexo, regional, universal, urbano, rural, o que importa são os valores intrínsecos da arte presentes na obra, seja ela qual for.

Quando algo não é bem compreendido pode ser cult, quando é um tanto esquisito pode ser cult, quando parece ser bobo demais pode ser cult, quando não tem a mínima graça pode ser cult e quando não é muito observado e endeusado pela "lisergia intelectual" dos filósofos de boteco, atenção! Aí pode estar o verdadeiro cult! É como diz o meu filho, "o troço é tosco", e eu imediatamente retruco: "então deve ser cult".


Por Mario Medella

Secos & Molhados - Quarenta anos de solidão

Em setembro deste ano, fazem exatos quarenta anos que o português João Ricardo idealizou o grupo Secos & Molhados, que começou com ele sozinho e acabou da mesma forma. A primeira formação do grupo não vingou, mas foi quando João conheceu Ney de Souza Pereira (o Matogrosso), Gerson Conrad e Marcelo Frias, além de outros músicos que davam suporte e também faziam arranjos, que o grupo decolou, em shows e na gravação de seu primeiro disco, que com apenas dois meses de lançado já tinha vendido mais de 300 mil cópias, uma marca até então jamais alcançada na música brasileira em tão pouco tempo. E em 1973, estourava o chamado "disco das cabeças" que ficaria marcado definitivamente na história da MPB, um trabalho verdadeiramente cult. E com suas influências roqueiras, tropicalistas, regionais e até latinas, partem para um segundo disco (1974), que não emplaca como o primeiro, apesar de ser tão bom quanto. Logo depois da gravação desse disco, a chamada "formação clássica" se dissolve no éter. Vamos reproduzir algumas palavras do João sobre o "disco das cabeças":

"Como autor, não poderia estar mais reconfortado. Sempre foi minha peça de resistência, antes mesmo de ser gravado. Todos, ou quase, foram contra a maneira como dirigi musicalmente estas canções. Era outra época onde cobranças para fazer sucesso não eram muito diferentes de hoje, mas me deixaram à vontade para fazer o que realmente queria. Diziam que eu fazia tudo errado. O som não era esse. Sidney Morais, coordenador de produção, foi à única presença da gravadora que teve a sensibilidade de me reafirmar que o som era esse. Não mude nada. É claro que todos contribuíram admiravelmente, mas discordando sempre de mim. Mesmo assim, foi a realização do garoto que forma uma banda sem qualquer componente para gravar suas musicas, estas sim, o centro da questão. Vesti-las foi um grupo, cada um com algumas pérolas definitivas como o contra-baixo de Sangue Latino criando um "riff" do instrumento, absoluto, ou as flautas, ocarinas, de bambu, junto com a percussão de Assim Assado. A única que eu menos gostava, Fala, dei para um arranjador. Passei a gostá-la mais. Há também O Vira que alguém pode achar, por ser português, ter sido o mentor do arranjo folclórico, mas não, pelo que me lembro à sugestão foi da letrista a partir do próprio título que ela deu. Enfim, falar deste disco é com citar outro clichê, desta vez pela boca do meu filho, ao se referir a ele como o seu irmão mais velho".

Quem pensa que o grupo acabou em 74, engana-se redondamente. Em 78 eles ainda fazem um certo sucesso com a canção "Que Fim Levaram Todas As Flores"; em 80 mais um disco; em 88 uma tentativa desesperada, "A Volta do Gato Preto". e praticamente sozinho como no início, João ainda lança "Teatro" (1999) e "Memoria Velha" (2000), deste último a melhor coisa do disco é sua faixa de abertura, o poema "Os portugueses deixam a língua nos trópicos", que vale a pena ser reproduzido aqui.


Um pedaço de pátria livre com minhas veias atlânticas
No mapa mestiço do meu corpo negro ou brasileiro
A mesma face enterrada no chão português da ibéria
E a mesma alma oceânica a caminho dos ventos
A mesma língua por dentro da língua falada nos espaços
Recônditos da alma morena dos antepassados recíprocos
Todos comuns ás virgens defloradas pelos homens sem cor
Que punham lantejoulas no céu de cada ventre tropical
Ao sul das lânguidas praias margens da misteriosa atlântida
Quilhas rasgando os vendavais de cada aventura sem destino
Aí nasceram as bocas astrais para os signos dos deuses
Criando a mitologia dos afogados ao leme dos tempos
Resta essa lusíada chama agora liberta nas plagas continentais
Onde fermenta o sol no sal das obtusas claridades das sombras
Gerando a palavra nos corações misturados nos abismos das raças
Onde as pirâmides assinalam os sarcófagos do meu povo
Povo triturado pelas esferas e os cata-ventos imperdoáveis
Das bruxas que urdiram o maligno feitiço do império
E agora mortas expelem nas marés as fétidas fezes da história
Uma história que é preciso começar outra vez de zero
Um pedaço de pátria livre com essa chama lusíada
Líquida chama nos lábios de um futuro sem abortos
Expressão dos ventres da gestação austral
Ou das pequeninas ilhas dos golfos crioulos
Um beijo na boca do universo um beijo africano
Principalmente africano e brasileiro
Do zero ao êxtase um beijo íngreme na boca
Das líquidas palavras da mesma língua cósmica
Será uma fusão de asas salgadas pelas marés claras
Das praias assinaladas pelas âncoras ancestrais
E a mesma viagem andrógina dos bissexos da mesma pele
Desfraldando as bandeiras miscigenadas pelas lantejoulas
Um pedaço de pátria das pátrias procriadas
No mesmo verbo ardente de lírica melodia
Cantando amanhã as palavras somadas
Pelas gentes que esta língua em si mesmo procria
Meu sangue diluído nos poros do teu ser
Esse meu estar no mundo na tua pele sem cor
Colhendo os brasis nas selvas africanas
E as áfricas semeando no reino dos algarves
Quem será esse filho do grávido futuro
Que a tua boca oferece ao beijo redimido
Fecundado pelos séculos no mesmo chão sem pátria
Das pátrias do meu verbo do teu verbo nascido
Um pedaço uma gota uma única gota
Do teu perfil mestiço projetado nos astros
Singrando mares siderais á procura de rota
Os mares os mesmo mares nunca antes navegados
Que os despojos da história voltem ao restelo
Mas que essa chama livre para sempre viva
Num pedaço de pátria múltipla pátria amada
Feita de mil pedaços da alma do meu povo
Português em macau ou brasileiro em luanda
Africano da bahia ou crioulo europeu
Quando falas eu sei que nasceste de mim
Quando em mim nascias do meu pai do teu pai
Português infeliz nas andanças andadas
Palmilhou cicatrizes no rosto do tempo
E não sabe o que fazer das encruzilhadas
Nem das cruzes que pôs nas vertentes oblíquas
Português sem o gesto da própria mão direita
Decepadas nos becos das entranhas marinhas
(poentes de navalhas em horizontes mortos)
Com a vida esvaída nas correntes submersas
Português carregando os crepúsculos pesados
De uma podre velhice para estrumar a europa
Enforca-te no mar e nos próprios cabelos
Mas não morras deitado na cama da ibéria
Português que furaste os olhos ardentes
Para veres os confins dos confins da aventura
Não desistas agora das auroras urgentes
E volta para casa para nasceres de novo

Por Mario Medella

6 de julho de 2010

[Lendas Urbanas] Um disco emblemático


O álbum "Lendas Urbanas" foi lançado em janeiro de 2007 pelo músico carioca
Mario André. Pelo fato de ter sido seu disco de estréia e ainda de forma independente, a estrutura de distribuição e divulgação foi um processo doloroso, mas apesar de todos os obstáculos, o disco foi aclamado pela crítica e pela classe. "Lendas Urbanas" foi indicado ao prêmio da Academia Francesa do Disco, na categoria World Music, este prêmio foi conquistado apenas duas vezes por artistas latinos, o cubano Pablo Milanés e a espanhola naturalizada venezuelana Soledad Bravo - figurou na indicação do Prêmio Pólo de Música em Estocolmo, onde o brasileiro Gilberto Gil já foi contemplado. No Brasil, foi selecionado para concorrer ao Prêmio Tim de Música edição 2008 e foi elogiado por Antônio Carlos Miguel, Artur da Távola e Aldir Blanc, que inclusive assinou o texto de contracapa do álbum.

Disse o jornalista Artur da Távola: "o Mario é um compositor além do seu tempo, creio que suas canções demorarão um pouco a caírem nas graças do público, elas não são o que se pode chamar de popular, porém estão muito longe de serem elitistas".

Disse o compositor Aldir Blanc: "o disco transmite sinceridade, pudera, é a cara do Mario. Nelson Rodrigues diria que o Mario é uma doce figura, eu acrescentaria: talentosa".

Melhor que palavras é ouvir o disco, que teve seu download autorizado pelo autor, exclusivamente para o blog Paz & Música.

Para realizar o download do disco, clique no link a seguir:
[Lendas Urbanas - Mario André (2010)]

Um oásis no dial. Adelante!

Todos os domingos, há três anos, vai ao ar pela Rádio Roquette Pinto FM (94.1), às 19h, o programa Cantos da Alma Latina. O melhor é que não é apenas um programa que toca indiscriminadamente música latina, quem ouve percebe nitidamente o objetivo de integrar culturas através do som, aproximando e misturando a produção musical brasileira e a produção musical latino americana, sem observar época, gênero ou estilo. O único critério de seleção do programa é estético-ideológico, sem se prender a modismos nem a "tralhas sonoras" que nos são impostas goela abaixo pela grande mídia. Do México ao Chile, com o Brasil no meio, o CAL, como carinhosamente os ouvintes chamam o programa, vai fluindo de forma agradável, com dinamismo e clareza. E como diz um de seus bordões: "Cantos da Alma Latina, um programa de música e ideias". O CAL é produzido e apresentado pelo músico Mario André que sempre afirma no ar: "música brasileira também é latina, afinal de contas o Brasil não fica na Oceania!".

Para ter acesso ao conteúdo e programação da rádio, visite:
http://www.94fm.rj.gov.br/

4 de julho de 2010

Harmonias e dissonâncias

02/07/2010 - O Estado de S.Paulo

Todos gostam de música, muitos fazem dinheiro com ela, ninguém imagina a vida sem ela, mas como os seus criadores podem viver do seu trabalho? O assunto interessa não só aos compositores, porque envolve liberdade de associação e de expressão, quando se discute se o Estado deve participar da arrecadação e distribuição de direitos autorais no Brasil.

Aqui, a arrecadação é feita por um escritório central, o ECAD, criado, administrado e controlado por sociedades privadas de autores musicais, como a UBC, SICAM e outras. O ECAD cobra direitos dos que usam as músicas para ganhar dinheiro com elas (rádio, TV, shows, festas, publicidade, clubes) e os repassa às sociedades, que os distribuem entre seus autores, proporcionalmente à quantidade de execuções públicas de cada música no período monitorado.

É um sistema correto e efetivo, que dá a cada um a sua parte pela utilização comercial de sua criação. Nos Estados Unidos e na Europa funciona muito bem. Se aqui há falhas, falcatruas ou ineficiência, o problema é de gestão e fiscalização, e deve ser resolvido entre o ECAD e as sociedades que representam os compositores, intermediados pela Justiça. O Estado não entende nada disso, e já morde 25% de impostos sobre direitos autorais sem tocar uma nota.

Quando se canta o velho refrão de uma sociedade arrecadadora estatal, ouve-se cabide de empregos, aparelhamento partidário, altos custos e burocracia. No mundo moderno, as sociedades de autores são empresas comerciais, que fazem tudo para ganhar o máximo de dinheiro para seus associados. Como qualquer empresa, competem no mercado, buscam eficiência administrativa, novas tecnologias, prestam contas, são auditadas, podem ser processadas e liquidadas legalmente. O que é que o Estado tem a ver com isso?

Pode soar como pleonasmo ou redundância, mas é uma evidência: quem tem a autoridade é o autor, quem criou é que decide o que se faz ou se deixa de fazer com a sua criação.
Cabe à Justiça julgar os conflitos com base na legislação (que precisa ser modernizada), e ao Estado, garantir os direitos e o cumprimento da lei. Já é muito.

Por Nelson Motta

Com medo de ser infeliz

30/06/2010 - Jornal Estado de Minas

Tenho medo, nojo e ódio de qualquer ditadura. Era um menino nos idos de 1964, e passei mais de 20 anos sofrendo com a convivência diária com a ignorância e a violência do regime militar. Eu o combati com as armas que tinha e me pareciam justas: ideias e canções. Hoje me arrepio diante do descaso dos governantes brasileiros em abrir os documentos que restaram daquela época, para que os filhos e netos de minha geração saibam do que aconteceu neste país maravilhoso. Para que tenham consciência de que aquilo não pode voltar a ocorrer. Aprendi a louvar a democracia como o maior dos bens da política e da cidadania.

O atual governo, o do Lula, é dono de muitas contradições. Tem acertos e erros como qualquer outro, anterior ou posterior. Mas na minha área, a de autor de canções, ele tem sido um desastre. Quem fala pela catástrofe não é o presidente, mas o ministro que ele nomeou e o ministério que está sob sua direção. Ministério da Cultura, que odeia a música brasileira, a nossa maior e mais influente bandeira, ao lado do futebol, no mundo.

Há sete anos e meio, os burocratas daquela repartição vêm ameaçando os autores e artistas brasileiros com uma mudança na lei que nos protege. E nunca houve uma reivindicação, nesse sentido, da classe dos autores. O direito autoral, talvez eles não saibam, está lá na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. É um desses direitos. A Revolução Francesa também assim o considerava. Direito autoral é sinônimo de civilização.

O contrário, e é o que o ministério do Lula defende, é a barbárie. Imagine, Lula, o que o Gonzaguinha diria dessa investida de sua administração contra as ideias que ele defendeu com tanto ardor enquanto esteve entre nós. Depois de sete anos de idas e vindas, de ameaças, no dia do primeiro jogo do Brasil na Copa apresentaram o monstro, para que pudéssemos opinar sobre ele durante 45 dias.

Dei uma boa olhada e vi que era um monstro. Um amontoado de asneiras de incompetentes. Seus auxiliares, Lula, são cínicos, pois dizem uma coisa quando pretendem outra. São mentirosos, pois na nossa frente falam algo que desmentem a seguir. Ignorantes, chamam de taxa o direito autoral. Taxa é coisa de Estado. Direito autoral é remuneração pela utilização de
nosso trabalho. Não gostam da Constituição, por isso pensam que podem intervir em nosso direito, que é privado e não público, apesar do que diz o artigo 5º, XVIII : "a criação de associações independe de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento."

E querem criar uma autorização compulsória, contra a vontade do autor, mesmo existindo a determinação constitucional que diz que "aos autores pertence o direito exclusivo de utilizar suas obras". E eles não param por aí. O ministro e seus moçoilos da Fundação Getúlio Vargas dizem ser moderno o que pretendem.

Eles são o atraso e a barbárie. Para eles, autor nada vale. Valem as telefônicas e as empresas que querem usar as obras sem pagar. E aí eu me pergunto: para que atiçar e maltratar os artistas, em plena campanha eleitoral? Queremos apenas fazer nossa música e viver dela. Nos deixem em paz.

Por Fernando Brant