1. Curtis Mayfield – "Curtis"
Mais conhecido pela espetacular trilha homônima para o filme “Superfly”, de 1972, o soulman Curtis Mayfield é uma das figuras mais inventivas da música negra norte-americana. Tão fundamental para o gênero soul à virada da década quanto seus contemporâneos Marvin Gaye e Stevie Wonder, Mayfield já acumulava as funções de compositor, arranjador e vocalista nos Impressions e continuou o processo de evolução criativa em sua primeira tacada-solo, "Curtis" (Curtom). Talvez o maior mérito do LP seja o fato de que ele praticamente introduziu o discurso de temática social na soul music. Ok: Sam Cooke já havia gravado petardos socialmente relevantes aqui e ali e Marvin Gaye já estava em estúdio com eu “What’s Going On”. Mas Curtis saiu na frente com todo um disco quase temático e arranjado de forma absolutamente autoral, associando o R&B elegante dos anos 60 ao soul / funk que seria a marca registrada da produção negra musicalmente relevante e moderna ao longo da década de 70. Faixas como "The Other Side of Town", "(Don't Worry) If There’s A Hell Below We’re All Gonna Go", "We The People Who Are Darker Than Blue" e "Move On Up" (sampleada pelo esperto Kanye West para uma faixa não tão esperta assim) tiveram impacto instantâneo na nova estética musical do gênero e são celebradas até hoje como pérolas do soul engajado. Mas nem tudo é protesto: a lindíssima "The Makings Of You", com arranjos açucarados e vocal suave, é capaz de desalojar roupas íntimas com a simplicidade da força do pensamento. Experimente!2. Kurtis Blow – "Kurtis"
O disco “Kurtis” (Mercury), lançado pelo folclórico rapper Kurtis Blow em 1980, foi um marco à época de seu lançamento; além de ser uma raridade – pouquíssimos albums do gênero haviam sido lançados naquele primeiro boom do gênero, entre os anos de 1978 e 82, que priorizou singles e hits certeiros de medalhões como Sugarhill Gang e Grandmaster Flash & The Furious Five -, o LP representou um marco para o rap, já que KB parecia ser o primeiro MC a introduzir mensagens de temática social em seu discurso. Confira as celebradíssimas “Hard Times”, posteriormente regravada pelo duo Run-DMC, e “The Breaks” – que, apesar de ser um hino de festinhas aqui e acolá, retrata bastante o dia-a-dia dos guetos norte-americanos da virada da década em questão, influenciando diversos artistas do tal underground hip-hop da década seguinte – e note que o MC tinha a lingua tão afiada quanto seu estilo performático, que culminou até mesmo em uma das performances mais espetaculares da história do mítico Soul Train, marco da TV norte-americana apresentado pelo carismático Don Cornelius (confira sua versão ao vivo para "The Breaks" no youtube imediatamente!). Mas nem só destes dois clássicos vive a pepita, portanto preste muita atenção às ótimas "Rapping Blow (Part 2)" e "Way Out West", igualmente dançantes e inventivas. A referência das discotecas estadunidenses não era exclusividade na música de Blow, que foi muito influenciado por baladas soul para compor faixas como a nem-tão-boa-assim "All I Want In This World (Is To Find That Girl)", claramente calcada nos Chi-Lites, um dos grupos vocais preferidos de Blow. De forma geral, o sucesso comercial de “Kurtis” tem importância histórica evidente no cenário do rap, viabilizando contratos de long plays para gente como Run-DMC, Whodini e Fat Boys, a chamada segunda geração do gênero. O resto é história!
(coluna publicada originalmente na revista +Soma)
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