24 de abril de 2012


postado em agosto de 2011


RELATÓRIO BACK2BLACK RJ (primeiro dia)

Na noite de sexta-feira (29), a Estação Leopoldina escolheu roupa de gala para o primeiro dia do Back2Black Festival . Ao adentrar na estação desativada, você logo dá de cara com uma série de retratos lindos, ampliados em tamanho giga feitos pelo Lost.art. Passadas as catracas, o impacto dos milhares de balões coloridos impactavam quem voltasse os olhos para o alto - trabalho da renomada dupla de street art, Os Gêmeos.

E a hora era de fazer a volta de reconhecimento. Na plataforma de embarque, os antigos trens se transformaram em obras de arte a céu aberto, inteiramente grafitadas. Eles estavam acompanhados, espertamente, por lugares para sentar e descansar as pernas, além de barraquinhas para matar a fome com um acarajé, um crepe ou um cachorro quente.

Um dos vagões ganhou espelhos em toda sua extensão. O do meio, uma livraria que também vendia CDs e vinis dos grandes artistas negros e o último, um estúdio animadíssimo, cheio de gente querendo mostrar seus talentos musicais. À frente, alguns outros vagões viraram bilheterias, integrando todo o complexo Back2Black 2011.

Do lado esquerdo, o Palco Compacto Petrobrás só era compacto no tamanho: a animação foi enorme e o pessoal, mesmo com a garoa fina que ia e voltava, dançou juntinho as músicas da Tono. O xaxado elegante de Nicolas Krassik e os Cordestinos também foi motivo para o requebrar de quem estava presente.

O Back2Black também é lugar de bate-papo bacana e assim foi a conversa com Wael Ghonim, direto de Dubai, em transmissão via satélite. Wael ficou conhecido depois de criar a página "We are All Khaled Said" (Todos nós somos Khaled Said). O motivo veio após saber que Khaled Said, um jovem como ele, havia sido morto pela polícia de Alexandria.

Os desdobramentos da reação do governo ao criador da página no Facebook, e a ela em si, além das manifestações organizadas a partir das redes sociais, culminaram na derrubada do regime de Hosni Mubarak, no Egito. Quem também esteve na conversa foi Jamila Raqib, membro do Albert
Einstein Institute, que se preocupa em disseminar práticas de resistência não-violentas, uma das opções ao terrorismo.

Depois da conversa, quem veio ao palco direto de Portugal foi a fadista portuguesa Ana Moura, que emocionou os presentes com sua presença de palco sensual e voz fortíssima. Além de alguns de seus sucessos e versões inusitadas, como uma música dos Rollling Stones, Ana proporcionou generosos duetos com Gilberto Gil, em músicas como "Fado Tropical", "A Novidade" e "Sítio do Pica Pau Amarelo".


Na sequência, vieram os músicos do Tinariwen, uma banda da etnia Tuareg, nômade, que faz um som que é quase que só deles: o desert guitar. Eles já animaram festivais na Europa, considerados roqueiros e desembarcaram no Brasil para o Back2Black. Aqueles homens de turbante fazem um som surpreendente, energizante e dançante, do tipo que levanta múmia da
tumba.

E então veio ela, a grande atração da noite: Macy Gray. Com sua banda mais do que carismática - dava vontade de ficar amigo de todos eles - e super competente. A gente precisa falar sobre o surpreendente setlist? Toda vez que Macy Gray voltava para o palco, a impressão era de que
havia shows diferentes. Estavam presentes, claro, hits como "I Try", "Why Didn't You Call Me", "Kiss It", "Glad You're Here", "That Man", além de versões surpreendentes, e não menos competentes, como "Creep" (do Radiohead), "Groove is in the Heart", de Deee-Lite e até "Nothing Else Matters", do Metallica.

Quase como um recado da diva: "Durmam com esse barulho!". Pois dormimos e acordamos com vontade de mais Macy.




RELATÓRIO BACK2BLACK RJ (segundo dia)


Sábado aconteceu o dia 2 do Back2Black Festival . O primeiro show da noite foi o debate sobre ecologia, com convidados de peso: Graciela Chichilnisky, matemática e economista argentina, autora do termo "desenvolvimento sustentável"; Marina Silva, o principal nome quando se
fala em "política verde" no Brasil e candidata a presidente no ano passado; Daniel Cohn-Bendit, um dos porta-vozes das manifestações populares de maio de 68 e, hoje, congressista europeu ligado às causas verdes. Eles foram mediados por ninguém menos que Fernando Gabeira, que
participou da luta contra o regime militar no país e é membro-fundador do Partido Verde.

Marina não se considerou uma pessimista sobre o caminho que as políticas verdes têm tomado mas, sim, uma persistente. Daniel Cohn-Bendit, em tom de brincadeira, se disse surpreso com os 20% que Marina conseguiu de votos, devido ao tempo menor de exposição da candidata no horário político. Os dois pontuaram que o caminho verde é o mais difícil, pois depende de uma mudança de atitude da população, de enxergar o mundo que eles querem deixar para seus filhos. A conclusão foi de que os problemas econômicos sempre ficam à frente dos problemas ecológicos.


Porém, Marina sente um movimento à borda, como os movimentos que derrubaram regimes totalitários no Egito e na Líbia. Para ela, as pessoas têm que tomar mais o papel de protagonistas e parar de achar que o problema da corrupção ou o novo código florestal são problemas dos políticos, e não delas. E disse mais: a internet está aí como uma ferramenta para fazer com que a voz das pessoas seja escutada e até usou o exemplo de sua votação de 20% ter levado a eleição para o segundo turno, contrariando as previsões.


E o papo sério não ficou apenas restrito ao debate inicial: quem tomou conta do palco depois foi a cantora malinesa Oumou Sangaré, cujas canções têm uma forte carga política de defesa ao direito das mulheres. O show eletrizante sacodiu a Leopoldina e, mesmo com a barreira linguística, fez com que o público cantasse com ela a canção "Wele Wele", um de seus hits, que tem como principal tema os casamentos forçados no país da cantora, Mali.


Na sequência, com "I Feel For You", quem tomou conta do palco com sua nobreza funk, R&B e disco pesado foi Chaka Khan. Com seus agudos praticamente inconcebíveis e hits que foram do romântico a super dançantes, a cantora fez Estação Oi inteira dançar. Tinha gente dançando até do lado de fora, tamanho o alcance vocal de Mrs. Khan. Em "Thought the Fire", ela pediu para o pessoal acender os isqueiros. Então, contou sobre uma época de "menina má", quando deixava as filhas com a mãe e sequer atendia as ligações. Um tempo que ficou para trás, com certeza. O show todo foi emocionante, que terminou incandescente, com todo mundo
cantando junto "I'm Every Woman".


Para fechar, ninguém mais, ninguém menos que Jorge Ben Jor, para animar a festa. Existe alguma música dele que, mesmo sem ter um disco em casa, a gente não pense que já ouviu em algum lugar? Caetano Veloso estava presente e, nesse clima "está tudo em casa", Jorge Ben chamou e Caê subiu, agraciando o público com um dueto de reis, com a canção "Ive Brussel". E foi nesse clima festivo que Jorge Ben Jor fechou este segundo dia de Black2Black, cheio de hits para cantar junto, com direito a marchinhas de carnaval e tudo.




RELATÓRIO BACK2BLACK RJ (terceiro dia)


No domingo (28), aconteceu o 3º dia do festival Back2Black e o debate foi sobre uma das principais questões da sociedade: o futuro das comunidades. Como convidados, tivemos o holandês Nanko van Buuren, o antropólogo Luiz Eduardo Soares, Suely Carneiro - o maior nome do feminismo negro no Brasil - e mediação de Paulo Lins, autor do livro Cidade de Deus.

Van Buuren é o fundador do Instituto Brasileiro de Inovações em Saúde Social (IBISS), que atua em 11 áreas de risco no Rio de Janeiro e comentou a ineficácia das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). Luiz Eduardo Soares completou dizendo que isso acontece pois as comunidades
temem e não confiam nos agentes. A contribuição de Suely veio com um comentário sobre a cultura negra ser vista de forma folclórica em suas raízes, e como tem sido embranquecida na contemporaneidade. Para Suely, o preconceito contra o negro deve ser assumido, de forma a democratizar a sociedade.


Retiradas as cadeiras da palestra, surgiu Asa, de vestido vermelho e óculos gigantes de aro grosso, dando a impressão que ela fora teletransportada direto dos anos 60. Porém, música a música, Asa provou que seu som de influência negra, com um perfume do passado, tem tudo a
ver com o agora, como tantas de Amy Winehouse, Janelle Monae e o próprio Aloe Blacc, que se apresentaria a seguir. Simpaticíssima, doce e sem parar um segundo, Asa pediu até sugestão de programa para depois do show e deixou o palco mandando beijos para o público em alto e bom português.


Na sequência, uma das grandes expectativas da noite: Aloe Blacc. Durante todo o show, Aloe ameaçou tocar o hit "I Need a Dollar" e esquentou o público com outros de seus singles, como "Your Love is Killing Me" e versões totalmente Blacc de músicas como "Femme Fatale", do Velvet Underground. E Blacc tirava sangue de cada uma delas, estendendo os arranjos, interagindo com o público, sambando (!) e até dando espaço para que a backing vocal brilhasse mandando um rap nervoso. Eis que chegou o grande momento esperado e "I Need a Dollar" não decepcionou. E o bis, hein? Uma versão matadora de "California Dreamin", com aquela
voz de veludo que está ecoando até agora na cabeça de quem esteve lá.


Enquanto isso, o Palco Compacto ficava pequeno com a apresentação do gigante BNegão, com a banda Paraphernalia. O processo pode ser lento, mas se isso for preciso para botar peso no funk de BNegão, a gente dá um jeito. Ele falou pouco, mas não esqueceu de agradecer Os Gêmeos, que
passaram a semana anterior toda ao evento grafitando trens e produzindo a instalação de mil faces no teto do palco principal.


O que a gente sentiu no show de Seu Jorge and Almaz: não foi um show, foram dois. No primeiro, quem brilhou foi o lado instrumental, aquele show que dá vontade de assistir de olho fechado, sentindo cada acorde e batida diferente do Almaz, trio formado pelos músicos da Nação Zumbi:
Pupillo, Lucio Maia e Dengue. O segundo show foi aquele para se matar de dançar, se divertir com os amigos e esquecer que no dia seguinte seria segunda-feira, com a grooveria dos meninos de ouro do Almaz. Apareceu nesse segundo show até o Seu Jorge internacional, fazendo sua versão de "Ziggy Stardust", do camaleônico Bowie. Outro Jorge que brilhou foi o Ben Jor, que emprestou seu telefone que toca novamente e "África Brasil" à voz de seu xará. Deu pra relembrar a energia boa que animou a festa na noite anterior. Não é à toa que o nome artístico é Seu Jorge, apelido dado por Marcelo Yuka, justamente por não definir um Jorge, mas vários.
Um senhor Jorge, diga-se de passagem, com um senhor show, para encerrar uma maravilhosa noite e último dia de B2B 2011 no Rio de Janeiro.

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